quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

... mais da presença do Poder Público.

....desatre revela urgência da reforma urbana....

Já deixamos de fazer a reforma agrária. Não podemos abrir mão da reforma urbana. Com Haiti aprendemos: a natureza castiga, mas a desigualdade castiga ainda mais

Depois da tragédia, o Rio tem sido inundado de solidariedade, mas também de desculpas esfarrapadas e atribuição de culpas para todos os lados. A chuva, o povo, e, principalmente, os outros, são sempre estes que deixaram tudo isso acontecer.

O país foi capaz de elaborar uma lei de responsabilidade fiscal, mas ainda não uma de responsabilidade social.

Com fundo na política neoliberal de redução do Estado, pune-se o governante que gasta muito - mas não o que gasta pouco ou o que gasta mal.

O abandono progressivo do Estado é visível no liberalismo que toma conta da fiscalização da ocupação imobiliária. Parte significativa das regras existe justamente para ser burlada ou contornada, às vezes com a própria anuência ou estímulo do poder público.

Não faz tempo, em São Paulo, criou-se a figura da operação urbana, permitindo um acréscimo a ser pago pelo construtor para ultrapassar o limite legal da edificação. Resumindo: pagando bem, que mal tem?

E o desvario do esvaziamento do Estado estava prestes a ser aprovado no Congresso Nacional com o pomposo nome de Código Florestal, reduzindo a tutela pública sobre a ocupação do solo.

Supõe-se que a idéia tenha naufragado com as enchentes. Quem se atreveria hoje a anistiar ocupações irregulares, pela simples existência de um "fato consumado", ou aumentar as áreas de construção em encostas, depois do desastre?

Quer se pense nas culpas, quer se pense nas soluções, o que falta é mais Estado e não menos. Mais regulação e não menos. Mais gasto público e não menos. Tal como as crises econômicas que têm se reproduzido mundo afora, as catástrofes demonstram que a ausência do Estado é, disparado, o maior dos riscos sociais.

É essa a tragédia anunciada: quando o Estado se retira, se omite ou se vende, a atividade predatória das especulações e o desespero dos excluídos fulmina a natureza, o bom-senso e, principalmente, a prudência.

A inserção do Estado na solução dos problemas não pode se dar apenas no auxílio à reparação dos danos, pois ainda que a conta possa demorar para chegar, remediar é sempre mais dolorido e dispendioso do que prevenir.

Mas para prevenir, não adianta só firmar a impossibilidade de se construir ou morar em certos lugares perigosos. É certo criticar quem mora onde não pode. Mas quem não pode, mora onde?

O país abriu mão de fazer, décadas atrás, sua reforma agrária. Consolidou gigantescos latifúndios e expandiu como nunca a população das cidades, com o êxodo rural que a concentração da propriedade gerou. E agora, imprensado contra o muro das cidades superpovoadas e da habitação inacessível, vai se negar também a tocar a reforma urbana?

As cidades estão coalhadas de privilégios a quem deles não necessita. Clubes privados construídos sobre terrenos públicos, obras particulares com recursos do Estado, grandes áreas desabitadas e tantas outras cortesias com os chapéus do povo.

Mas para a habitação popular, os recursos sempre minguam, nunca são suficientes. Não estranha que os mais pobres acabem por morar em localidades irregulares, em morros, em encostas, em represas, em mananciais, e até junto a linhas de trem.

A excessiva valorização dos terrenos nas cidades vai, paulatinamente, expulsando os moradores de baixa renda para lugares inóspitos e insalubres. Ou o entulhar de milhões de pessoas nos morros cariocas é algo que se deve achar normal? Se a tragédia atingiu a região serrana, imagina-se o que aconteceria se se reproduzisse na capital?

O Estado deve intervir urgentemente na urbanização das cidades, principalmente privilegiando a habitação popular. Urbanizar moradias da população carente, gigantesca nesse país, é muito mais importante do que construir estádios ou abrir grandes avenidas.

Que as desgraças que sofremos neste começo de ano, não sirvam apenas para por à prova a incúria das autoridades ou a imensa solidariedade do povo.

Que as águas levem junto com elas, a equivocada proposta de reformar o Código Florestal, fragilizando a proteção da natureza, de acordo com os interesses da especulação rural. E que tragam de volta a idéia de reforma urbana, sempre cercada de preconceitos por todos os lados.

A reforma urbana é delicada, difícil, demorada e custosa. Mas sem ela, vamos continuar assistindo a conseqüências devastadoras, que não poderão ser atribuídas apenas ao mau humor do tempo.

A dimensão das perdas humanas no terremoto do ano passado no Haiti, já deveria ter nos advertido: a natureza castiga, mas a desigualdade castiga muito mais.
 Fonte: Blog Sem Juízo, por Marcelo Semer. http://blog-sem-juizo.blogspot.com/2011/01/desatre-revela-urgencia-da-reforma.html

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Frase do dia

As coisas mais importantes da vida não são coisas.
Antony J. D’Angelo

....o fim e os fins do Estado....

Seguem trechos do artigo publicado em abril de 1977, na edição 10 do Jornal Juízes para a Democracia, sobre as deliberadas ações de desmonte do Estado, por mim e Marcia Maria Barreta Fernandes Semer.

A ação dos agentes públicos tem muitas falhas, mas a ausência de Estado é um dos maiores riscos sociais. É quando o Estado se anula, se omite e se vende que a tragédia se instaura: precisamos de mais Estado e não menos.

"Numa época em que o fim da história é decantado como sucesso, o Estado é entronizado em corações e mentes tal qual um leviatã a ser combatido, e um novo liberalismo nos impõe os axiomas da eficiência e qualidade total, pode parecer heresia combater o desmonte das coisas públicas. Afinal, intui-se como senso comum que a administração estatal é lenta, burocrática, onerosa, ineficiente, enfim, mais mal do que necessária.

(...)

A opção pela supervalorização do mercado, como parâmetro de convivência e regulador da sociedade, é uma opção que não contempla a todos. Não contempla aqueles cujo atendimento de interesses não passa necessariamente pela obtenção de dividendos financeiros; não contempla os que por falta de oportunidade na formação, se vêem impedidos de atingirem as metas de eficiência e qualidade exigidas, não contempla, enfim, em um espaço de hipercompetitividade, aqueles que perdem, sem os quais, aliás, não haveriam os vitoriosos, festejados modelos do marketing.

A opção deste novo liberalismo, mais ainda que o antigo, é uma opção pela exclusão. Que, admite-se, incomoda os que se preocupam mais com os fins do que com o fim do Estado."


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Esqueletos Jurídicos

OAB: advocacia pública não é defesa de governante de plantão
Por: Ordem dos Advogados do Brasil
Data de Publicação: 20 de novembro de 2007

Salvador (BA), 20/11/2007 - O que o Constituinte espera da advocacia pública é que se torne mais um órgão de defesa do Estado brasileiro e cada vez menos de defesa dos governantes de plantão, que se torne cada vez mais um órgão comprometido com a cidadania e a defesa do Estado Democrático de Direito e cada vez menos destinado a gerar e manter esqueletos jurídicos no Brasil. A afirmação foi feita pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao ministrar hoje (20) palestra sobre "A OAB e a Advocacia Pública" durante o VIII Congresso Nacional dos Procuradores Federais e o VIII Congresso Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia-Geral da União. Os eventos acontecem simultaneamente em Salvador, na Bahia.

Ao citar a criação de verdadeiros esqueletos jurídicos no País, Britto referiu-se aos profissionais que misturam a função da advocacia em defesa do Estado com a de protelar eternamente processos ajuizados contra a União, órgãos e autarquias públicas. Defender o erário e a cidadania não é eternizar uma ação judicial para que o cidadão jamais receba a prestação jurisdicional a tempo. Esse não é o nosso papel como advogados, afirmou Britto, em crítica aos que entendem como função da advocacia pública atuar em prol da protelação da eficácia processual.

Os esqueletos jurídicos que se criaram neste País fazem com que o cidadão desacredite na Justiça e nossa luta tem de ser a de mostrar à sociedade que a advocacia pública é um ente protetor da cidadania, das funções e deveres do Estado e nunca contra o cidadão, destacou o presidente nacional da OAB, arrancando aplausos entre os mais de 400 defensores e demais integrantes das carreiras jurídicas da União reunidos na capital baiana. Temos que mostrar que não compactuamos com o empurrar com a barriga, pois esse não é o papel da advocacia pública.

Ao ressaltar a importância desse braço da advocacia para as garantias da Constituição Federal e a defesa do Estado, Britto enalteceu a relevância da atuação dos advogados públicos também como entes protetores da cidadania, da democracia e como um anteparo aos autoritários e políticos corruptores, que enxergam os recursos do erário como se fossem seus. A grande demanda da advocacia pública deve ser a união para o combate aos corruptores porque, no campo da política, o dinheiro público fica sempre em segundo plano, afirmou o presidente da OAB ao justificar, a partir daí, a importância de se brigar pela autonomia do defensor público.

A autonomia do advogado público é fundamental para fazer valer o querer constitucional, que é o de uma categoria forte, atuante em favor da cidadania e do Estado, defendeu Britto, ao oferecer a OAB, uma vez mais, como aliada dos advogados públicos em direção a esta garantia de autonomia.

A palestra ministrada por Britto foi a primeira do painel presidido pelo advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli. A segunda palestra foi ministrada pelo autor da obra Curso de Direito Administrativo, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Segundo o professor, há um novo dinamismo do direito administrativo e a importância de uma advocacia de estado forte para exercer plenamente o controle de juridicidade da administração pública em todos os seus níveis e expressões. A advocacia pública tem o papel de exercer plenamente a advocacia preventiva reduzindo a excessiva conflitualidade pública e a intermináveis demandas judiciais e as vultosas perdas dos erários.

Também integrou a mesa do painel o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence, que na noite dessa segunda-feira fez a conferência magna do evento, que acontece até o próximo dia 23. A unificação da categoria e o fortalecimento da advocacia pública foi o tom dos discursos e palestras realizadas até então.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Reflexões jurídicas acerca dessa instituição estatal essencial à Justiça

(...) a Advocacia Pública tem papel relevante no controle interno da Administração Pública, haja vista que é a única instituição que, no exercício de suas atribuições, detém a exclusividade do aconselhamento jurídico de todos os poderes do Estado e todos órgãos e instituições públicas, em cada unidade federativa, com nítido caráter preventivo de controle interno da legalidade. Atuando na conformidade de seu status constitucional, com garantias concretas decorrentes dos princípios que lhe são implícitos, poderá não só aconselhar a Administração Pública para o atendimento do bem comum dentro da legalidade, da legitimidade, da licitude e da eficiência, como também coibir os atos administrativos que possam desrespeitar direitos fundamentais ou causar lesão ao erário público.