Consultor Jurídico
Texto publicado segunda, dia 26 de dezembro de 2011
Por Allan Titonelli Nunes
procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.
Texto publicado segunda, dia 26 de dezembro de 2011
Por Allan Titonelli Nunes
procurador da Fazenda Nacional e presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal.
O
Título IV da Constituição regulamentou e disciplinou a Organização dos
Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. Incluindo, ainda, capítulo
específico relacionado às Funções Essenciais à Justiça. Essa
sistematização foi observada visando atender os preceitos modernos do
Estado Democrático de Direito.
Isso porque, Montesquieu, ao
descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a
possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder
em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a
harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo
europeu, necessitando adaptá-la ao surgimento do Estado Democrático de
Direito.
Assim, o Poder Constituinte Originário atento às lições
de Montesquieu, positivou no artigo 2º da Constituição Federal de 1988,
entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a
Separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante ao que preceitua
o art. 60, parágrafo 4º, III, da CF/1988.
Entretanto, o
Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia,
necessitando dar maior efetividade a esse equilíbrio inclui na
Organização dos Poderes um novo capítulo, Das Funções Essenciais à
Justiça.
Nesse novo Capítulo o Constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.
Logo, no cenário
político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e harmonia
entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de
Direito, será concretizado, também, através das Funções Essenciais à
Justiça.
Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance
restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia,
imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do
Estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto
convencionou chamar de “Estado de Justiça”.
Nesse sentido, o Poder
Judiciário não é o único responsável pela prestação da Justiça,
necessitando da intervenção do Ministério Público, da Advocacia Pública,
da Defensoria Pública e da Advocacia Privada, como garantidores e
defensores dos interesses da sociedade e do Estado. Diogo de Figueiredo
Moreira Neto ao discorrer sobre o papel afeto às Funções Essenciais à
Justiça consigna que[1]:
“Sem
esses órgãos, públicos e privados de advocacia, não pode haver justiça,
aqui entendida como a qualidade ética que pretende exigir do Estado
pluriclasse quanto à legalidade, à legitimidade e à licitude. E porque
essa justiça só pode vir a ser realizada em sua essencialidade se
dispuser dessas funções, autônomas, independentes, onipresentes, e,
sobretudo, corajosas, o legislador constitucional as denominou de
‘essenciais à justiça’ (Título IV, Capítulo IV, da Constituição).”
Mais a mais, pode-se acrescer, ainda segundo as lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[2]:
“Não
haja dúvida de que, ao recolher, na evolução teórica e prática do
constitucionalismo dos povos cultos, novíssimas expressões
institucionais, como o são a participação política e as funções
essenciais à justiça, o Constituinte de 1988 deu um passo definitivo e,
oxalá, irreversível, para a preparação do Estado brasileiro do segundo
milênio como um Estado de Justiça, aspiração, como se expôs, mais
ambiciosa do que a realização de um Estado Democrático de Direito, que
naquela se contém e com ela se supera.”
A positivação do
Ministério Público ao lado das novas instituições Constitucionais,
Advocacia Pública, Defensoria Pública e Advocacia stricto senso veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, tendo entre suas atribuições a defesa da Justiça.
A
intenção do Legislador Constituinte, ao incluir a Advocacia Pública
entre as Funções Essenciais à Justiça, foi criar um órgão técnico capaz
de prestar auxílio ao Governante e, ao mesmo tempo, resguardar os
interesses sociais.
Considerando que o Estado Brasileiro é
constituído pela República Federativa do Brasil, organizado
político-administrativamente pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, conforme preconiza o art. 1º c/c artigo 18, da CRFB, as
políticas planejadas, desenvolvidas e executadas pelos Entes Federados,
comumente referidas como políticas públicas, decorrem da repartição de
competência administrativa e legislativa da Federação Brasileira. Diante
dessa perspectiva é dever dos Advogados Públicos darem suporte à
execução orçamentária de todas as políticas públicas, desde que as ações
sejam Constitucionais e legais.
A atuação da Advocacia Pública na
fase do planejamento, da formação, e da execução da política pública
propiciará um planejamento estratégico do Estado, a redução de demandas e
dos desvios. Isso porque, sua atuação deve transcender a defesa míope
do Governo, ajudando atender as atribuições que o Estado moderno requer,
precipuamente, a viabilização das políticas públicas em favor da
sociedade, o que, em última análise, importa em resguardar o interesse
público, consubstanciado pela defesa do bem comum.
Ante ao
exposto, é necessário dotar o Estado de condições mínimas para efetivar
as atribuições Constitucionalmente descritas, cabendo à Advocacia
Pública exercer papel estratégico na defesa do patrimônio público, dos
interesses dos cidadãos e da Justiça.
Para a concretização dessas
atribuições é necessária a garantia de uma Advocacia Pública
independente. Isso não quer dizer que a escolha da política a ser
executada deixará de ser feita pelo representante do povo, legitimamente
eleito, o qual tem o direito de indicar sua equipe de governo. Todavia,
a atuação de um profissional técnico, imparcial e altamente
qualificado, não sujeito às pressões políticas, trará um ganho de
qualidade para a política pública escolhida.
Essa concepção
decorre de um processo de reflexão do papel Constitucional atribuído à
Advocacia Pública. É natural que no processo de formação e
amadurecimento das atribuições institucionais, de um órgão recente na
história do nosso país, haja uma evolução interna e externa do seu
papel.
Hoje visualizamos com mais clareza o papel Constitucional
destinado à Advocacia Pública, de defesa do Estado sem descurar da
defesa do cidadão e da sociedade. A defesa do patrimônio público,
interesse público secundário, não pode contrapor arbitrariamente aos
legítimos interesses da sociedade, interesse público primário, cabendo
aos Advogados Públicos resolverem o respectivo conflito dentro do que
determina a Constituição e as leis.
Esse controle decorre do dever
mediato de defesa da Justiça, insculpido quando o Legislador
Constituinte inseriu a Advocacia Pública em um Capítulo à parte do Poder
Executivo, Função Essencial à Justiça, havendo um imbricamento de
justaposição, ou seja, necessidade de defesa do Estado, desde que a ação
não transborde os preceitos Constitucionais e legais.
Nesse
pormenor, o combate à corrupção e à impunidade é realizado no dia a dia
da Advocacia Pública. As premissas do Estado Democrático de Direito, o
anseio de justiça, a efetivação da igualdade, legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são princípios
inseridos na Constituição e defendidos pela Advocacia Pública, no
exercício do seu papel de Função Essencial à Justiça, garantindo o
respeito à lei e à Constituição dos atos do Poder Público.
Considerando
essas premissas, pode-se dizer que a Advocacia Pública Federal, através
da atuação da Advocacia-Geral da União, tem fortalecido seu papel de
controle do desvio do dinheiro público. Vale destacar que entre 2002 a
2011 a AGU já recuperou R$ 1,5 bilhão de recursos desviados da União,
tendo bloqueado, só no ano de 2011 R$ 600 milhões.
A construção de
uma Advocacia Pública conforme os anseios Constitucionais têm sido
feita gradativamente. Para o bem do nosso Estado Democrático de Direito é
necessário que essa mudança ocorra o mais rápido possível e em todos os
níveis de Governo.
[1] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Constituição e Revisão: Temas de Direito Político e Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 31.
[2] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. As Funções Essenciais à Justiça e as Procuraturas Constitucionais. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: n. 36, dez. 1991, p. 13.