segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ESTRADO DO CONTROLE EXTERNO AO INTERNO.

... Ação Civil Pública .... em face do Município de Porto Alegre ...

I. DOS FATOS.

Diante da inadequação do Programa de Saúde da Família na capital, especificamente quanto à terceirização da prestação do serviço e à inapropriada intermediação de mão de obra, em 03 de setembro de 2007, o executado Município de Porto Alegre, reconhecendo que a terceirização implementada no PSF atenta contra as normas constitucionais, assinou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta perante os Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho (...)

II. DO DIREITO.

II.I. Da Lei Municipal 10.861/10 e do não atendimento ao TAC:

O Projeto de Lei 018/2008 foi encaminhado pelo Executivo Municipal, pretensamente em atendimento ao Termo de Ajustamento de Conduta firmado com os Ministérios Públicos.

Entretanto, após emendas legislativas, o projeto resultou na publicação, em 22 de março de 2010, da equivocada Lei 10.861/10, que, ao criar o ‘Departamento do Programa de Saúde da Família’ para ‘centralizar e gerir a prestação de serviços de atenção básica à saúde familiar no Município de Porto Alegre’, desvia-se do termo de ajustamento firmado perante os Ministérios Públicos, que prevê o envio de projeto de lei que tenha por objeto a admissão de funcionários MODO DIRETO: “providenciar, até março de 2008, o envio de projeto de lei à Câmara Municipal que tenha como objeto as admissões dos profissionais necessários à atenção básica de saúde no Município, modo direto, (...)”.

Na contramão, a lei municipal prevê que as atividades do PSF serão desempenhadas por empregados (art. 3º), a serem contratados por processo seletivo público de provas ou de provas e títulos (art. 11), portanto não submetidos a concurso público.

A nova lei viola a regra do concurso público, estabelecida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal, que estabelece a regra da investidura em cargo ou emprego público da administração pública direta e indireta de todos os poderes, mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

As únicas exceções ao concurso público estão expressas na própria carta constitucional, que estabelece a possibilidade de nomeação para cargo em comissão, bem como a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. No entanto, o caso em tela não se relaciona com nenhuma das hipóteses.

(...)

O Estado brasileiro tem cada vez mais empenhado-se em se despir de atribuições e funções constitucionalmente definidas, buscando transformar-se em um “Estado mínimo”. Entretanto, mesmo os defensores dessa idéia sustentam que o Poder Público não pode se despojar das suas atividades consideradas essenciais.

A prestação à saúde, à segurança e à educação são funções típicas e fundamentais do Estado, e, como tal, merecem ser por esse exercitadas primordialmente, diretamente, em prol da realização do bem-estar coletivo.

A Constituição da República assinala que saúde é direito de todos e dever do Estado, imputando ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle, e estabelecendo que sua execução seja feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (arts. 196 e 197 CF).

O art. 199 da CF estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Entretanto, essa idéia está substancialmente atrelada à idéia de complementação, conforme o § 1°: “os serviços de saúde são essencialmente públicos, podendo ser complementados pela iniciativa privada se e na medida em que for esgotada a capacidade instalada das unidades hospitalares públicas”.

Regulamentando tais disposições constitucionais, a Lei Orgânica da Saúde, n° 8.080/90, dispõe em seu artigo 24:
Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Portanto: (1) compete ao Estado (Poder Público) a prestação direta dos serviços de saúde. (2) sendo insuficiente a capacidade instalada das unidades públicas, os serviços de saúde poderão ser prestados por terceiros (entes privados, preferencialmente de caráter filantrópico ou sem finalidade lucrativa). (3) a prestação de serviços por entes privados, em caráter complementar, submete-se aos mesmos regramentos do SUS, decorrendo de contratos.

Desse modo, o papel da iniciativa privada na prestação de serviços do SUS é acessório, de modo que toda e qualquer tentativa de investir a iniciativa privada na condição de protagonista confronta o texto constitucional e a Lei Orgânica da Saúde.

(...)

Ademais, ao prever a admissão de pessoal para o PSF através de ‘processo seletivo público de provas ou de provas e títulos’, e até mesmo por ‘processo seletivo público simplificado’, o projeto de lei apresenta idêntico equívoco à lei em vigor, ao não estabelecer a admissão MODO DIRETO, por concurso público, o que afronta o Termo de Ajustamento de Conduta firmado.

O § 4º do art. 198 da Constituição Federal determina que a admissão de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias ocorra por meio de processo seletivo público, ou seja, através de concurso público.
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.”.

Importante ressaltar, também, que a contratação sem concurso público acarreta a ausência de estabilidade e de perspectivas de carreira, além de falta de comprometimento do profissional que integrará as equipes do PSF, além de contribuir para a ingerência política na ocupação do sistema público e favorecimentos pessoais.

Segundo o Prof. José dos Santos Carvalho Filho, in CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: 2006, o concurso público compõe-se de três postulados:

a) o princípio da igualdade, consubstanciado pelo fato de permitir a todos os interessados em ingressar no serviço público, a disputarem as vagas com iguais condições;

b) o princípio da moralidade administrativa, caracterizado como vedação a favorecimentos e perseguições pessoais; e

c) o princípio da competição, relacionado à idéia de certame, colocando de acordo com sua respectiva classificação, as condições de ingressar no serviço público.

Ademais, o trabalho desenvolvido pelas equipes do PSF requer a criação de uma carreira no SUS, que atenda às diretrizes nacionais do sistema, que estimule e valorize a qualificação profissional médico, enfermeiro, etc., sob pena de comprometer o próprio serviço prestado, que ficará ao alvedrio da troca de pessoal, que o novo sistema pretende impor.

Por meio da contratação direta por concurso público, o gestor entregará à Estratégia de Saúde da Família um profissional mais comprometido com o sistema, inteiramente envolvido com a realidade das famílias pelas quais será responsável, sem a incerteza de continuar seu trabalho, o que acarretará repercussões imediatas na qualidade do serviço desenvolvido.

(...)

a) Condenar o Município de Porto Alegre à abertura de concurso público para profissionais do Programa de Saúde da Família, (...)
b) Condenar o Município de Porto Alegre a abster-se de admitir novos profissionais do Programa de Saúde da Família por outro meio, que não o de MODO DIREITO, POR CONCURSO PÚBLICO, sob pena de multa a ser fixada por Vossa Excelência, a reverter ao Fundo Estadual de Saúde;
c) Condenar o Município de Porto Alegre a abster-se de aplicar a Lei Municipal nº 10.861/10, especialmente quanto à admissão de pessoal para o Programa de Saúde da Família por outro meio, que não o de MODO DIREITO, POR CONCURSO PÚBLICO, sob pena de multa a ser fixada por Vª. Exª, a reverter ao Fundo Estadual de Saúde;
d) Condenar o Município de Porto Alegre a abster-se de encaminhar ao Legislativo Municipal o Projeto de Lei que autoriza a criação do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família, sob pena de multa a ser fixada por Vª. Exª, a reverter ao Fundo Estadual de Saúde.

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